27/03/2013 05:25 - Zero Hora - Porto Alegre
Ceder o assento a um idoso, recolher o cocô do cachorro e
não importunar o vizinho com música no volume máximo são exemplos de regras de
convivência que o simples bom senso manda obedecer. No Brasil, viram leis em
uma tentativa de garantir seu cumprimento ? como a norma que entrou em vigor
esta semana na Capital para forçar o respeito à reserva de lugares nos ônibus.
Mesmo assim, são diariamente ignoradas e desafiam
especialistas de diferentes áreas a explicar por que a gentileza depende de
regulamentação no país.
Na segunda-feira, entrou em vigor na Capital uma nova lei
para forçar o cumprimento do que já era previsto na legislação: a preferência
nos assentos de transporte coletivo para idosos, gestantes e pessoas com
deficiência. Agora, motoristas e cobradores deverão exigir a obediência dos
passageiros sob pena de autuação e multa das empresas. Para isso, estão
orientados a parar o veículo e até a chamar a Brigada Militar para alcançar o
que apenas a boa educação já deveria garantir. Mas por que é preciso a chegar a
esse ponto em metrópoles como Porto Alegre?
O antropólogo Roberto DaMatta afirma que a falta de educação
refletida em situações cotidianas como o desrespeito às filas e a
irresponsabilidade no trânsito está entranhada na sociedade. Segundo ele,
pesquisas demonstram que a população brasileira vê como ?otário? quem cumpre
rigorosamente as normas. As origens desse tipo de distorção estão enraizadas na
história.
- Em um país que teve escravidão até anteontem, só quem
seguia normas eram os escravos, que levavam porrada. Por isso, até hoje
consideramos cumprir regras uma babaquice - avalia DaMatta, 76 anos, que
costuma ver engravatados de 40 anos cortando sua frente em filas de aeroporto
quando o alto-falante convoca os idosos a embarcar com prioridade.
Outro problema, segundo o antropólogo, é que essa herança
nefasta é reforçada por maus exemplos que vêm de cima.
- Saiu no jornal hoje (ontem) que a comitiva do prefeito de
São Paulo estacionou em local proibido. Se ele faz isso, por que eu não vou
fazer? - questiona, referindo-se a mais de uma dezena de carros oficiais que
acompanhavam Fernando Haddad e pararam em lugar irregular durante uma visita
esta semana.
Não há punição
efetiva no país para quem descumpre regras
O psicanalista Abrão Slavutzky acredita que o cenário
brasileiro é agravado pela falta de punição efetiva para quem descumpre normas
tácitas ou leis formais - seja pelo constrangimento público, por multa ou outra
forma de reprimenda. Ele recorda que viu um brasileiro ser duramente censurado
por um policial, na Itália, ao jogar um papel no chão.
- Isso não ocorre por lá porque eles sabem que, se sujarem a
rua, não vai ficar por isso mesmo. Em um ambiente em que não há a percepção do
cumprimento das normas, a pessoa relaxa - acredita o psicanalista.
Roberto DaMatta defende que a propaganda oficial dos
governos deixe de focar realizações com fins eleitoreiros e se destine à
promoção de valores como a igualdade e o mérito sociais. Para a filósofa
Cecília Pires, a solução para esse tipo de problema é complexa e exige mais do
que simplesmente criar novas leis:
- Pelo conjunto de leis que já temos, deveríamos viver da
maneira mais harmoniosa possível no Brasil. Mas não é o que se vê.
Cecília acredita que a solução para o problema coletivo é,
na verdade, individual:
- Precisamos de uma revolução ética dentro de cada um.
(MARCELO GONZATTO)