ANTP lança 1º Curso de Ensino a Distância de Gestão da Mobilidade Urbana no Brasil

24/06/2013 15:00 - ANTP

Estamos vivendo hoje no país um momento singular, com as ruas reivindicando com intensidade problemas inerentes à mobilidade urbana nas cidades brasileiras, temas e bandeiras próprias da ANTP ao longo dos seus 36 anos de existência. No entanto, existe um claro desequilíbrio na discussão que ora se assiste na forma como a questão do transporte público é (re)colocada no cenário nacional.

Para quem é usuário do transporte coletivo, fica a impressão que o assunto é novidade: pressionar por uma tarifa menor faz justiça, afinal, a um serviço de péssima qualidade, sem regularidade e que guarda dúvidas quanto à maneira e à forma como é explorado pelo setor privado e à sua relação nem sempre transparente com o setor público.

Para quem, mais do que isso, quer aprofundar a discussão e decide enveredar para o tema da "qualidade do transporte público”, uma série de reivindicações, no entanto, começa a preencher e formatar uma pauta que não leva em conta uma série de premissas. Cabem perguntas candentes do tipo: como melhorar a qualidade sem mexer na divisão do espaço público, em que o usuário do automóvel tem prevalência sobre o usuário do ônibus? Como reduzir a tarifa sem aumentar o subsídio, e como fazer isso sem penalizar outros serviços públicos?

Estas são apenas algumas questões que mexem em pontos cruciais, determinados por uma opção de sociedade que o brasileiro vem aceitando desde os anos 1950, conhecida como a ‘sociedade do automóvel’.

A discussão, entretanto, é bem-vinda. Nas grandes cidades os governos gastam 4 vezes mais recursos para o funcionamento do sistema de transporte individual do que para o de transporte coletivo, como informa o Relatório SIMOB de 2011. Como destravar este imbróglio? Seguramente não será com propostas açodadas, tão pouco com debates superficiais.

Para compreender melhor a estreita e indissociável relação que o transporte público possui com as atividades de uma cidade é que decidimos realizar esta conversa com Ailton Brasiliense e Luiz Carlos Mantovani Néspoli (Branco), respectivamente presidente e superintendente da ANTP. Eles explicarão que para definir ações, produzir normas, determinar regras que definem políticas públicas é preciso uma política de formação de Recursos Humanos, que forme profissionais com conhecimento mínimo para executar a necessária relação entre uma cidade e seu transporte público. Esta ação motivou a ANTP a produzir e lançar o Primeiro Curso de Ensino a Distância no país de "Gestão da Mobilidade Urbana”.


Site ANTP: Como você enxerga a relação entre o desenvolvimento e a configuração das cidades brasileiras e a sua relação com a questão da mobilidade?

Ailton: Até umas cinco ou seis décadas atrás as cidades eram muito mais concentradas do que são hoje. Só para se ter uma ideia, em 1950 a cidade São Paulo tinha 2,2 milhões de habitantes (o Brasil tinha 54 milhões, dos quais 18 milhões moravam em cidades) e ocupava uma área seis vezes menor do que a área atual. Com 200 mil habitantes em 1900, a cidade cresceu estruturada principalmente em transporte sobre trilhos (500 km de bondes e 100 km de ferrovia). Houve, assim, um planejamento urbano sustentado pelo transporte público.

A partir de então, o país optou por uma política de desenvolvimento baseada no automóvel, e milhares desses veículos foram despejados na cidade até expulsarem os bondes, definitivamente, em 1968. Essa politica foi atrelada aos empreendimentos imobiliários e, com isso, a cidade foi se esparramando e ao mesmo tempo levando para longe as populações mais pobres e dependentes de transporte coletivo, enquanto os empregos continuaram localizados no centro da cidade.

Essa configuração induziu o desenvolvimento de um sistema viário vocacionado para o automóvel e levou a configurações de redes de linhas de ônibus ineficientes, com custos elevados, tornando as viagens da população muito mais longas. Se, em 1950, gastava-se 10 minutos em média para ir ao trabalho, hoje se leva em média 64 minutos.

Site da ANTP: Quais são os maiores desafios da mobilidade urbana nas cidades brasileiras?

Ailton: Em qualquer cidade do país o maior dos desafios é retomar parte do espaço público para os ônibus, para os pedestres e para os ciclistas, hoje totalmente destinado aos automóveis, usando prioritariamente os recursos financeiros a esses modos de transporte mais sustentáveis. Nas cidades menores, o desafio é constituir uma rede de transporte por ônibus com qualidade, ou seja, distribuída em toda a cidade, com frequência que garanta um nível de conforto aceitável dentro dos ônibus, com pontos de parada bem definidos – com cobertura, piso adequado e informações sobre as linhas que ali passam - e que ofereça possibilidade de integração entre as linhas, criando mais opções de uso para os usuários, cuidar das calçadas públicas e oferecer solução para a circulação de bicicletas.

Nas grandes cidades, e nas metrópoles, o desafio é constituir redes complexas envolvendo vários modos de transporte, cada qual desempenhando papel compatível com suas características técnicas, operacionais e econômicas, com integração tarifária que permita o maior acesso possível da população de baixa renda ao sistema de transporte. 

Site da ANTP: Você acha que o carro é privilegiado nas políticas públicas? Se sim, pode dar alguns exemplos de como isso acontece e quais são as consequências?

Ailton: No SIMOB - Sistema de Informações de Mobilidade da ANTP, que reúne informações de cidades acima de 60 mil habitantes, há um indicador que revela essa prioridade aos automóveis: em 2011, por exemplo, foram investidos cerca de R$ 202 bilhões em recursos públicos em infraestrutura para transporte coletivo, enquanto que para o transporte individual esse número ultrapassou R$ 740 bilhões. Na infraestrutura de transporte individual estão as vias, pontes, viadutos, túneis e sistemas de sinalização. Na infraestrutura de transporte coletivo estão também as vias de metrô, VLT e corredores de ônibus. Outro indicador é a quantidade de espaços viários deixados à livre utilização para estacionamentos (junto ao meio fio) que, em qualquer cidade, estima-se que sejam metade da extensão viária.

Site ANTP: Que implicações sociais têm essa forma de desenvolvimento urbano baseada no uso intensivo do automóvel e na facilidade com que empreendimentos imobiliários vão esparramando as cidades?

Ailton: Esse modelo de cidade gera vários tipos de consequências. Uma delas é o tempo perdido pela população no deslocamento, devido ao congestionamento das cidades, especialmente os usuários de transporte coletivo. O uso compartilhado da via por ônibus e automóveis reduz a velocidade média dos ônibus, aumentando o custo operacional. Em cálculo realizado em estudo ANTP-IPEA, de 1998, isso resultava em uma tarifa 16% mais cara. A segregação de moradias e empregos em regiões distantes uma da outra, gera um sistema de transporte desequilibrado, em que passageiros embarcam praticamente nos pontos iniciais das linhas e desembarcam nos pontos finais, tornando o sistema ineficiente economicamente. Finalmente, a emissão de poluentes pelos automóveis, especialmente andando em vias congestionadas, e os acidentes e mortes no trânsito, são as externalidades que contribuem para condenar definitivamente este modelo.

Site da ANTP: Em 12 de abril de 2012 entrou em vigor a Lei 12.587, a Lei de Mobilidade Urbana. Foram quase 20 anos de discussão, propostas e lutas para se chegar a este dispositivo legal, em cujo processo a ANTP também foi parte. Lá estão os princípios, diretrizes e objetivos para uma mobilidade urbana de qualidade, acessível a todos e sustentável. De que maneira você acha que a lei de mobilidade urbana de 2012 pode trazer melhorias para os cidadãos? 

Ailton: As diretrizes da lei são muito claras: prioridade ao transporte coletivo, prioridade aos pedestres e ciclistas, acesso universal ao transporte, equidade no uso do espaço viário, tarifas módicas. Essas exigências devem estar garantidas por um plano de mobilidade urbana, outra exigência da lei para municípios acima de 20 mil habitantes, o que significa uma grande oportunidade para a população projetar uma cidade melhor no futuro. O plano de mobilidade deve considerar, necessariamente, o Plano Diretor da cidade, e ambos devem buscar no futuro a construção de cidades mais inteligentemente compactas, com ocupação mais densa e diversificada nas áreas lindeiras a corredores estruturais de transporte, e também com distâncias menores entre os locais de moradias e os locais dos empregos.

Site da ANTP: Claramente, a configuração das cidades voltada predominantemente para o transporte individual, a segregação das atividades e moradia e a falta de prioridade no uso da via tornam o transporte coletivo por ônibus ineficiente e caro. A colocação em prática da Lei de Mobilidade pode num prazo longo reverter essa tendência. Em que medida o Curso de Ensino a Distância "Gestão da Mobilidade Urbana” pode contribuir na implantação da lei?

Néspoli (Branco): A lei de Mobilidade vem sendo discutida largamente desde sua publicação em muitos eventos no país e isso tem sido muito importante para sua difusão e esclarecimento. Com o Curso de EaD "Gestão da Mobilidade Urbana” o objetivo é traduzir a lei em formas práticas de ação, começando por oferecer ao participante uma ampla visão e compreensão das cidades, seu desenvolvimento, as influências sociais, políticas e econômicas que levaram as cidades a serem o que elas são atualmente, e as consequências desse modelo urbano para a mobilidade e saúde das pessoas e para a sustentabilidade do planeta.  E essa visão é que permitirá compreender o espírito da lei. Num segundo momento, o curso aborda os modos de transportes, descrevendo suas características e seu papel no sistema de mobilidade, em especial mais largamente sobre o transporte por ônibus, os pedestres e a circulação das bicicletas.Finalmente, o curso encerra apresentando um roteiro para um plano de mobilidade urbana.

Site da ANTP: Qual a bagagem que o participante levará ao final do curso?

Néspoli (Branco): Ao final, a expectativa é de que o participante incorpore conhecimentos e competências para entender melhor sua cidade, poder influenciar em projetos urbanos na direção das diretrizes da lei e na alocação de recursos orçamentários para o transporte coletivo e a segurança dos usuários mais vulneráveis da via – pedestres e ciclistas, participar da gestão do trânsito da sua cidade com um olhar voltado para a mobilidade das pessoas e não apenas dos carros, e estar melhor preparado para elaborar ou contratar projetos e planos de transporte.

Site da ANTP: A lei de Mobilidade Urbana não é auto aplicável, ou seja, não basta seguir seus princípios, diretrizes e objetivos e pronto?

Néspoli (Branco): Diferentemente de outras leis que estabelecem normas e regras que se aplicam automaticamente, como por exemplo a "Lei Seca”, a Lei de Mobilidade Urbana requer um domínio técnico para a elaboração de diagnósticos, interpretação de informações e de dados indispensáveis à formulação de prognósticos, domínio e compreensão das características dos modos de transporte, da relação com os planos diretores, bem como o uso de ferramentas para análise e elaboração de projetos. É importante que setores da administração municipal sejam integrados, já que a mobilidade está intrinsicamente associada aos planos urbanísticos, à construção de vias, às calçadas públicas, à educação das pessoas para a mobilidade com segurança.

Site da ANTP: Há carência desse tipo de conhecimento no país? Por quê?

Néspoli (Branco): Acreditamos que sim e por vários motivos. Cursos de transporte urbano são raramente oferecidos no país. Desde o fim do GEIPOT* é muito difícil encontrar cursos de extensão (pequenas cargas horárias) sobre transporte. A ANTP chegou a fazer alguns cursos de transportes presenciais há pouco mais de 10 anos. A partir da vigência do Código de Trânsito Brasileiro, a partir de 1998, com a Municipalização do Trânsito, muitos cursos foram realizados, mas com o foco na gestão do trânsito. Mesmo para essas pessoas que tiveram cursos de municipalização, a tônica nestes cursos foi predominantemente a discussão das ferramentas de engenharia, operação e fiscalização voltadas para a gestão da fluidez do trânsito, ou seja, um olhar dirigido para o tráfego de veículos. Nossa expectativa é que o foco mude para a gestão da mobilidade das pessoas.

Site da ANTP: A ANTP tem experiência na realização de cursos de transporte e trânsito?

Néspoli (Branco): A ANTP tem um dos melhores acervos técnicos neste assunto no Brasil, além de contar com inúmeros colaboradores especializados neste campo da mobilidade urbana. Em vários momentos de sua história, a ANTP elaborou e realizou cursos presenciais, com excelentes conteúdos e excelentes professores, muito bem avaliados pelos participantes.

Site da ANTP: Por que a escolha de curso na modalidade a distância? Qual é a vantagem para o aluno?

Néspoli (Branco): O interesse da ANTP é oferecer o curso da forma mais ampla possível, e isso só é possível com novas tecnologias de informação e educação (Internet). Num país de dimensões territoriais como o nosso, cursos presenciais com ampla participação são inviáveis economicamente. Atualmente, o acesso a computadores e à Internet com banda larga já é muito amplo no país. Nessa modalidade de ensino, o participante poderá dedicar-se ao curso em qualquer hora e em qualquer lugar. Serão 15 horas de dedicação, que deverão ser cumpridas em até 30 dias.

Site da ANTP: Como é um curso à distância? 

Néspoli (Branco): Tudo acontece na plataforma (software) denominada LMS (LearningManagement System), ou em português, AVA – Ambiente Virtual de Aprendizagem, acessada pela Internet. Ali, o participante terá acesso aos módulos dos conteúdos preparados por especialistas da ANTP, com práticas pedagógicas inovadoras elaboradas pelo SENAC, com textos, ilustrações e animações, além de acesso a vídeos e textos de apoio. No curso da ANTP, haverá ainda depoimentos gravados de autoridades públicas e grandes especialistas. O curso será moderado por um tutor (professor), que dará orientações, mas, principalmente, irá facilitar discussões e debates entre os próprios participantes. Nosso tema – mobilidade – requer aulas dialogadas, porque, afinal, todos os participantes chegam ao curso com experiências e bagagem próprias. O entrelaçamento de participantes de várias cidades brasileiras numa mesma sala de aula permitirá, ainda, importantes trocas de experiências entre todos.

Site da ANTP: Ao final do curso, o aluno já terá em mãos o Plano de Mobilidade de sua cidade?

Néspoli (Branco): Naturalmente que esse não é objetivo do curso, porque a elaboração do Plano de Mobilidade depende das características específicas de cada cidade, seu tamanho, geografia, a existência de planos diretores, a configuração viária e o transporte coletivo existente, das condições sociais e culturais da população e das condições econômicas da cidade. Mas o participante sairá compreendendo os passos necessários para a elaboração de um Plano de Mobilidade.

Site da ANTP: Vale a pena a participação de municípios pequenos, mesmo que tenham poucos automóveis e talvez nenhuma linha de ônibus?

Néspoli (Branco): Mesmo que não tenha linhas regulares de ônibus, toda cidade, de qualquer tamanho, tem uma malha viária, calçadas públicas, pedestres circulando, provavelmente um bom número de ciclistas e, mesmo que em menor grau, veículos automotores – motocicletas, automóveis, caminhões. No curso da ANTP, a compreensão do que é mobilidade é fundamental para organizar os deslocamentos com conforto e segurança até mesmo nestas pequenas cidades. Sem falar que as cidades crescem, e nelas estão cada vez mais presentes os automóveis e as motocicletas.

Site da ANTP: O curso será restrito a gestores municipais?

Néspoli (Branco): Não. O curso se destina aos gestores de Mobilidade Urbana, mas também às suas equipes técnicas, aos gestores públicos de modo geral, técnicos de áreas públicas ou empresas privadas do segmento da mobilidade, alunos de universidade, acadêmicos e pessoas interessadas.

Site da ANTP: O curso terá custo para o participante?

Néspoli (Branco): O curso tem um custo,  mas o interesse da ANTP é o de buscar oferecê-lo gratuitamente aos participantes e, com isso, permitir o mais amplo acesso para todas as realidades brasileiras. Por isso estamos buscando apoios institucionais e financeiros.

Site da ANTP: Que tipo de apoio institucional é este e qual a contrapartida que a ANTP oferece?

Néspoli (Branco): Vamos oferecer cotas de patrocínio a empresas e entidades que queiram colaborar com o curso. Em contrapartida, poderemos inserir as respectivas logomarcas no site da ANTP, em nossas Newsletters, e também na plataforma LMS, que será visitada por todos os alunos inscritos no curso.

Site da ANTP: Quando começa o curso?

Néspoli (Branco): Estamos nos organizando para iniciar a primeira turma no final do mês de julho.

Site da ANTP: Como o interessado poderá se inscrever no curso?

Néspoli (Branco): A partir de meados de julho. É só aguardar nossos anúncios no site da ANTP.

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 GEIPOT - O Geipot foi criado em 1965, por sugestão de um acordo de assistência técnica entre o governo brasileiro e o Banco Mundial, para formular, orientar, coordenar e executar a política nacional de transportes nos seus diversos modais, assim como para executar e coordenar os estudos e pesquisas sobre o setor no país. 

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