21/05/2014 09:13 - Valor Econômico
JOÃO PAMPLONA
A informalidade pode ser expressamente definida como
fenômeno socioeconômico representado pela existência de formas de produzir de
pequena escala baseadas no autoemprego - cuja representação típica é a figura
do autônomo ou conta própria - e de relações de trabalho vulneráveis ou
ocupações precárias -cuja representação típica são os trabalhadores sem
carteira assinada e os sem remuneração.
Após apresentar cerca de uma década e meia de crescimento, a
informalidade no Brasil teve sua trajetória significativamente invertida a
partir de 2004. A queda da informalidade no mercado de trabalho no período 2004
a 2011 foi monotônica e generalizada. Revelou-se nos seus mais diversos
indicadores e em todas as principais pesquisas. Manifestou-se nas diferentes
regiões e setores da atividade econômica do país. O gráfico abaixo ilustra bem
a inflexão de 2004 e a forte redução nos anos subsequentes.
A redução da informalidade também pode ser notada nos países
da América Latina, embora em menor intensidade do que ocorreu no Brasil. Dados
da Cepal mostram que a informalidade no mercado de trabalho urbano da região
caiu de 47,3% para 45,6% no período 2002-2010. Para o Brasil, essa mesma fonte
evidencia que entre 2002 e 2011, a informalidade diminuiu de 44,4% para 39%.
A melhora quantitativa e qualitativa do mercado de trabalho
brasileiro traduziu-se em diminuição da informalidade. Depois de 2004, o
mercado de trabalho deixa de ser condicionado pela reestruturação produtiva e o
baixo crescimento que marcaram os anos de 1990 e início dos 2000. Com os
efeitos da abertura comercial, das privatizações, da terceirização e de outras
inovações organizacionais já assimilados pelas empresas, o contínuo e mais alto
crescimento econômico da segunda metade década dos anos 2000 expandiu o emprego
formal e diminuiu expressivamente o desemprego. No período de 2004 a 2011, o
PIB expandiu-se em uma média de 4,25% ao ano, contra uma média de 1,91% ao ano
no intervalo entre 1996 e 2003.
Não só o maior crescimento econômico reduziu a
informalidade, mas também a natureza redistributiva desse crescimento teve
papel relevante. Não obstante a existência de importante vetor externo de
crescimento, caracterizado pelo vigor das exportações no período, houve a
participação decisiva de vetor interno de crescimento que permitiu melhoria da
distribuição de renda. A execução de políticas que ampliaram o acesso ao
crédito, valorizaram o salário mínimo (aumento do seu poder de compra em mais
de 50% entre 2003 e 2010) e incrementaram as transferência de renda aos mais
pobres permitiu que o mercado interno fosse ampliado e fortalecido, fazendo
crescer fortemente a demanda de trabalho. Com a maior demanda de trabalho,
aumento do salário mínimo e ações mais efetivas no campo da regulação e
fiscalização trabalhista, a informalidade passou a ter seu custo de
oportunidade sensivelmente elevado.
O crescimento econômico com distribuição de renda foi capaz
de reduzir a informalidade em um contexto no qual ocorreu aumento real
expressivo do salário mínimo e ausência de flexibilização da legislação trabalhista
brasileira, contrariando economistas ortodoxos que identificam na rigidez da
legislação trabalhista e na valorização do salário mínimo causas da acentuada
informalidade no mercado de trabalho de países como o Brasil.
Não obstante a significativa e persistente redução da
informalidade já alcançada após 2004, ainda é necessário que o processo tenha
prosseguimento, pois o nível de informalidade permanece elevado e está
desigualmente distribuído. Os dados mais recentes disponíveis para todo o Brasil
originados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) revelam sinais
de atenção. Não se trata por ora de uma mudança para pior, mas de uma
desaceleração ou estancamento da melhoria. Entre 2011 e 2012, o primeiro caso
está exemplificado no gráfico pela desaceleração da diminuição da proporção de
ocupados não contribuintes para a Previdência Social, e o segundo caso pela
estabilidade da proporção de ocupados sem carteira de trabalho assinada. Se
esses sinais transformar-se-ão em inflexão da tendência de queda da
informalidade, só os dados de uma série mais longa da Pnad Contínua poderão
responder.
De qualquer forma, em que pese a importância e
fortalecimento da fiscalização trabalhista e de outras ações públicas de
estruturação do mercado de trabalho, o prosseguimento do processo de redução da
informalidade depende da continuidade do modelo que associa crescimento
econômico elevado (acima de 4% ao ano) com diminuição na desigualdade na
distribuição de renda.
Com a dramática redução do crescimento observada entre 2011
e 2013 (média de crescimento do PIB em torno de 2% a.a.), o modelo econômico
vigente tem revelado fragilidade. A superação duradoura dessa situação depende
da consolidação de vetores de dinamismo, especialmente daqueles que possam
fazer crescer o PIB e também a produtividade, o que reserva ao investimento
papel central. Muito embora o nível de esforço inovativo das empresas e o grau
de qualificação dos trabalhadores sejam obstáculos relevantes, é o baixo e
errático volume de investimento que tem impedido o crescimento da
produtividade.
O futuro da informalidade no mercado de trabalho está assim
condicionado à superação dos agora presentes desafios ao modelo de crescimento
econômico com distribuição de renda que vigorou a partir de 2004.
João Batista Pamplona - professor de Economia da FEA/PUC-SP