12/11/2014 08:25 - Valor Econômico
As mortes no trânsito são consideradas uma epidemia global.
Todos os anos, os acidentes matam cerca de 1,3 milhão de pessoas ao redor do
mundo, e ferem até 50 milhões. O Brasil tem uma participação considerável nesse
quadro: em 2013, 54 mil pessoas foram vítimas do trânsito no país, segundo
dados da Seguradora Líder, que administra o Seguro de Danos Pessoais Causados
por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT). O custo dos acidentes para
a economia brasileira chega a R$ 60 bilhões por ano, o equivalente a 1,5% do
PIB.
Parte do problema é causada pelo aumento da frota de
veículos particulares, que cresceu 46% entre 2003 e 2013, aumentando o número
de acidentes e prejudicando fortemente a mobilidade nas grandes cidades. Brenda
Medeiros, gerente de Projetos de Transporte da ONG Embarq Brasil, defende a
expansão do transporte público e propõe a redução dos limites de velocidade nas
vias urbanas para 50 Km/h, como recomenda a Organização Mundial da Saúde.
"A partir de 60 Km/h a probabilidade de morte de um pedestre ao ser
atropelado é de praticamente 100%."
Para os que acham que isso pode tornar o trânsito ainda mais
lento, Brenda argumenta: "Temos vias com limites elevados, de até 80 km/h,
que ficam engarrafadas praticamente o dia inteiro. Os carros só conseguem andar
nesse limite à noite, quando o risco é maior e há mais acidentes fatais. Seria
muito melhor ter mais transporte público, com o trânsito fluindo bem em
velocidades menores."
Brenda acredita que os sistemas de BRT (Bus Rapid Transit) -
que vêm sendo implantados em grandes cidades brasileiras - podem ser uma
alternativa viável e segura para aumentar a oferta de transporte público. No
entanto, ela observa que a preocupação com a segurança deve começar ainda no
projeto. "Temos de aprender com os erros e acertos dos BRTs já
instalados", diz. "A segurança está nos detalhes e é muito mais caro
e difícil corrigir um problema quando a obra foi concluída", alerta.
A tese é comprovada na prática. "Tivemos alguns casos
de atropelamentos na implantação do corredor Transoeste", lembra Carlos
Maiolino, subsecretário de planejamento da Secretaria Municipal de Transportes
do Rio. "Depois disso, gradeamos cerca de 39 quilômetros ao longo da
Transcarioca, que passa em uma área urbana mais densa. Com isso, canalizamos a
travessia de pedestres para locais seguros, e não tivemos nenhum incidente até
agora."
Segundo José Mauro Bráz de Lima, coordenador do Programa Acadêmico
de Álcool e Drogas do Instituto de Neurociência Deolindo Couto, da UFRJ, o
cenário é de calamidade. "Hoje, em um ano, matamos o equivalente ao número
de vítimas da guerra civil da Síria em três anos."
O cientista afirma que o álcool ainda é o grande vilão,
apesar da Lei Seca no trânsito. "Cerca de 60% das mortes no trânsito
brasileiro estão relacionadas ao uso de álcool", diz. "Infelizmente,
a Lei Seca não foi suficiente para reverter esse quadro."
Para Flávio Adura, diretor científico da Associação
Brasileira de Medicina no Trânsito, o problema é de fiscalização. "O Rio
de Janeiro é o único Estado que cobra o cumprimento da Lei Seca para valer, e
teve uma redução de 36% no número de mortes no trânsito. São Paulo fica em
segundo, com apenas 6%", compara.
A dura critica também a leniência da Justiça com motoristas
imprudentes ou que dirigem alcoolizados. "No Rio Grande do Sul, houve
recentemente sentença favorável a um motorista flagrado no bafômetro com teor
alcoólico de 0,47 mg/L de ar, porque os agentes de trânsito não fizeram testes
de alteração de reflexo", reclama.
A indústria também tenta fazer sua parte, desenvolvendo
equipamentos mais seguros. Os novos modelos de ônibus da Scania, por exemplo,
oferecem freios auxiliares e freios EBS (ABS com controle de tração).
"Também desenvolvemos um sistema de treinamento ativo, que alerta o
motorista quando ele comete um erro, num processo permanente de capacitação do
motorista", explica Ciro Pastore, responsável de vendas de ônibus da Scania
Brasil.
Bráz de Lima, por sua vez, acrescenta que é fundamental
mudar o comportamento e a percepção de motoristas e pedestres no Brasil.
"Trânsito é uma matéria de cognição e comportamento, no fundo, 100% dos
acidentes envolvem algum erro humano", explica.
Segundo o pesquisador, é possível mudar esse cenário.
"Há 20 anos, morriam 16 mil pessoas por ano em acidentes de trânsito na
França, e hoje esse número caiu para 3 mil."
Para Charles Scialfa, professor do Departamento de
Psicologia da Universidade de Calgary, no Canadá, é preciso estudar meios de
melhorar a percepção de risco dos motoristas. "Isso pode ser incluído nos
testes de direção, pois é uma habilidade que pode ser desenvolvida, mesmo em
pessoas mais velhas."