21/05/2015 08:35 - Diário do Nordeste
Sob protesto de agentes de trânsito nas galerias da Câmara
Municipal de Fortaleza, vereadores aprovaram, ontem, em primeira discussão, o
projeto de Lei Complementar 13/2015, enviado pelo prefeito Roberto Cláudio, que
estende a fiscalização de trânsito na Capital à Guarda Municipal. Hoje, a
competência é exclusiva da Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC).
Após críticas da oposição, que apontava a
inconstitucionalidade, a matéria foi deliberada por 25 votos a favor e quatro
votos contrários de Deodato Ramalho (PT), João Alfredo (PSOL), Toinha Rocha
(PSOL) e Ronivaldo Maia (PT). Além do Sindicato dos Agentes de Trânsito,
membros da Guarda Municipal acompanharam a sessão. Os grupos revezavam as
vaias, apitos e gritos a cada pronunciamento que desagradava as categorias.
O projeto aponta que a Guarda Municipal deve passar a
exercer as competências de trânsito mediante convênio com órgão de trânsito
estadual e/ou municipal ou que lhe forem delegadas pelo chefe do Executivo
Municipal. Os guardas ficam encarregados de desempenhar outras atividades
necessárias ao cumprimento de suas finalidades, bem como outras que lhe forem
delegadas, conforme a norma.
Reforma
administrativa
Segundo o documento, a modificação da lei aprovada em
dezembro último, na reforma administrativa, busca adequar a legislação
municipal à nacional, o Estatuto Geral das Guardas Municipais. A matéria chegou
à Câmara no dia 7 de abril.
Deodato Ramalho (PT) pediu cautela, já que há recurso
tramitando no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre poder da Guarda de
fiscalizar e impor multas. Salientou que voto do ministro-relator, Marcos
Aurélio, aponta que o órgão teria poder de fiscalização no trânsito relacionado
diretamente aos bens públicos.
O vereador relatou que outros estados já registram ações na
Justiça em função de multas aplicadas por guardas municipais. Para ele, o
projeto enviado pelo prefeito foi um ato político. "Só entendi a decisão
do prefeito de abraçar a causa como decisão política com o Sindicato dos
Agentes de Trânsito, que era único refúgio de resistência dos servidores
públicos contra as medidas ruins que o prefeito tem adotado em Fortaleza",
afirmou.
João Alfredo (PSOL) argumentou que a Casa estaria legislando
matéria que pode sofrer uma série de questionamentos na Justiça em relação às
multas aplicadas pelos guardas municipais. "A Ação Direta de
Inconstitucionalidade ainda não foi votada e o que poderá acontecer é que as
multas que forem lavradas pelos guardas, aprovadas na lei, devem sofrer
questões judiciais. Vamos abrir um processo que não terá mais fim",
alertou.
Educação
Toinha Rocha (PSOL) pediu bom senso do líder do Governo,
solicitando que a matéria fosse retirada de pauta até que se tenha segurança
jurídica. Destacou que a cidade já possui órgão específico para fiscalizar e
educar o trânsito, a AMC.
Por sua vez, o vereador Márcio Cruz (PROS), presidente do
Sindicato dos Guardas Municipais da Região Metropolitana de Fortaleza, defendeu
que o trânsito não seria exclusividade de nenhuma categoria. "Trabalhamos
como legislador para o povo de Fortaleza, não vou me comover com esse apito e
esses gritos", disse. O líder do Governo, Evaldo Lima (PCdoB), sustentou
não haver ilegalidade no projeto e alegou que a Ação Direta de
Inconstitucionalidade (Adin) não gera efeito suspensivo.
"A cidade de Fortaleza quer é a melhoria na mobilidade urbana, que os motociclistas não ocupem ciclofaixas", declarou, salientando que a matéria não é proposta de Márcio Cruz, e sim do prefeito Roberto Cláudio.
Categorias divergem
sobre projeto
Agentes dizem que a ideia é inconstitucional, mas os guardas alegam que
só regulamenta outra lei municipal
A aprovação pela Câmara Municipal de Fortaleza, em primeira
discussão, do Projeto de Lei Complementar 13/2015, que estende à Guarda
Municipal a fiscalização e o ordenamento do trânsito, gerou polêmica e coloca
em clima de rivalidade duas categorias de fundamental importância à sociedade.
De um lado, agentes de trânsito afirmam que a medida é inconstitucional, uma vez
que vai de encontro à Emenda Constitucional 82. De outro, guardas municipais
alegam que ela só regulamenta, em Fortaleza, a Lei 13.022, de agosto de 2014,
que institui normas gerais às guardas municipais.
O próprio Sindicato dos Servidores e Empregados Públicos de
Fortaleza (Sindifort), por representar as duas categorias, "decidiu ficar
neutro nesta disputa", como coloca a vice-presidente da entidade, Ana
Miranda. Ela salienta, porém, que ambas estão com o quadro de servidores
incompleto, não tendo condições cobrir o déficit da outra.
Eriston Ferreira, presidente da Associação Brasileira dos
Agentes de Trânsito, diz que a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda uma
média de um agente, para cada mil veículos. Considerando que a frota da
Capital, até abril deste ano, era de 970.772 automóveis, seriam necessários,
pelo menos, 970 profissionais. No entanto, possui 380, o que representa
defasagem de 590 agentes. Para ele, o projeto é inconstitucional, e a medida,
de iniciativa do prefeito Roberto Cláudio, tem como intuito suprir esse baixo
efetivo, quando o correto seria a realização de concurso público.
O presidente do Sindicato dos Guardas Municipais do Ceará
(Singmec), Gleilson Cunha, confirma o déficit. Ele diz que a Capital poderia
ter até 5 mil guardas municipais, mas possui cerca de 1.200. Ainda assim,
avalia como positiva a proposta do prefeito e afirma que essa é uma luta antiga
da categoria, que vem desde 2003. "Queremos prestar um serviço de
qualidade à sociedade e melhorar a questão do trânsito, que está um caos",
frisa.
Mesmo sendo uma atribuição, Cunha comenta que ela dará uma
visibilidade a mais à instituição. "Com a Guarda Municipal na rua, a
sociedade terá um maior conhecimento da instituição, e isso conta",
observa. Além disso, esclarece que os servidores receberão uma gratificação a
mais pelo serviço prestado, a mesma que os agentes de trânsito recebem - em
torno de R$ 1.200. "O Sindicato defende que todos façam o curso, o que não
significa que todos vão atuar no trânsito. Mas, quando convocados a prestar o
serviço, receberão a gratificação", destaca.
Análise
A proposta aprovada, ontem, na Câmara, deve voltar hoje para
segunda discussão e, só após um terceiro debate em plenário, se acatada, será
sancionada.
Como o projeto ainda não foi aprovado, o promotor de
Justiça, Gilvan Melo, do Núcleo de Atuação Especial e Controle, Fiscalização e
Acompanhamento de Políticas de Trânsito do Ministério Público do Estado, diz
que o órgão não pode se pronunciar. Contudo, adianta que está reunindo algumas
documentações, que serão analisadas, para que posteriormente possam agir.
O promotor revela, no entanto, que particularmente considera
a proposta absurda. "Não é missão da Guarda Municipal cuidar do trânsito.
A Constituição prevê que cabe a ela a função de proteção municipal preventiva,
não tendo nada a ver com o trânsito. Inclusive, ela não foi treinada para esta
finalidade", frisa.
Enquete
Qual a sua opinião sobre a mudança?
"Não vai ser muito bom, porque vão ser mais multas e
mais prejuízo para o bolso da gente. Sem falar que nos terminais de ônibus, as
pessoas se matam nas filas desorganizadas, os guardas veem e não fazem
nada" - Júnior Soares, Vigia
"Se estiver próximo às escolas e puder auxiliar na
travessia dos alunos, ou próximo ao Instituto dos Cegos, seria interessante,
pois iria contribuir. Mas, no caso de problemas no trânsito, é papel da AMC
mesmo" - Ivna Melo de Oliveira, Estudante universitária