01/09/2015 08:27 - Valor Econômico
O elevado custo das tarifas dos serviços públicos concedidos
tornou-se tema recorrente no Brasil. Contudo, pouco se discute sobre como tais
tarifas são definidas e como a forma de definí-las pode influir na eficiência
dos serviços prestados.
Um ponto nevrálgico desta discussão gravita ao redor da Taxa
Interna de Retorno (TIR). No setor da infraestrutura, a TIR funciona como
importante referência para a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro
das concessões e, também, como instrumento para que os serviços a serem
concedidos sejam potencialmente rentáveis e, por isso, atrativos a possíveis
investidores.
Todavia, em diversos casos, os concessionários têm os seus
índices de rentabilidade - através da TIR - atrelados às condições
macroeconômicas existentes à época da licitação dos serviços concedidos,
independentemente das variações ocorridas no país durante a execução dos
contratos de concessão, que, não raro, estendem-se por mais de duas décadas.
Confunde-se, neste ponto, a regra da inalterabilidade da
equação econômico-financeira do contrato com uma falaciosa impossibilidade de
alteração da TIR - o que, paradoxalmente, acaba por desequilibrar a aludida
equação.
Seria o mesmo se, atualmente, os bancos garantissem, aos
investimentos feitos na década de 90, quando a Selic chegou a superar os 45%,
rentabilidades atreladas às taxas de juros que eram praticadas à época.
A raiz do problema é um equívoco conceitual, consistente na
indevida transmutação da TIR em garantia absoluta de rentabilidade ao
investidor, pois se o contrato não gera a rentabilidade prevista inicialmente,
acaba revisto, normalmente com o aumento das tarifas cobradas dos usuários.
Este imbróglio gera duas distorções imediatas. A primeira é
o incentivo à ineficiência, pois através da TIR, a administração estabiliza a
rentabilidade do concessionário, sem considerar a sua eficiência na prestação
dos serviços. Assim, diminuem-se os incentivos para a redução dos custos, pois
a despeito de quais sejam estes o Poder Público, além de cobrir-lhes, ainda
garante uma margem mínima de lucro ao concessionário.
A segunda consequência é óbvia e já foi apontada pela
Secretaria de Fiscalização de Desestatização e Regulação do Tribunal de Contas
da União. Em contratos de longo prazo, como é o caso da generalidade dos
contratos de concessão, a existência de uma TIR fixa pode onerar desproporcionalmente
o usuário, gerando lucros extraordinários para o concessionário ou vice-versa.
Esta hipótese, infelizmente, se materializou no último
decênio, porquanto a lucratividade dos concessionários - atrelada à TIR inicial
- permaneceu intocada, gerando lucros muito maiores do que qualquer
investimento com riscos comparáveis disponível no mercado. Lucros estes que,
além de custeados às expensas dos usuários, foram frutos não da eficiência do
concessionário, mas da mera melhora do quadro econômico brasileiro.
A análise de casos concretos evidencia a magnitude do ônus
indevido suportado pelos usuários de concessões licitadas durante a década de
90. Por exemplo, nas rodovias concedidas no Rio de Janeiro, ao fim do século
passado, a TIR é de 17,58% na Dutra, 17,99% na Rio-Teresópolis e 19,85% na Via
Lagos. Em alguns outros contratos do mesmo período tal taxa chegou a ser fixada
em 24%. Por outro lado, a TIR máxima aprovada pelo TCU referente às concessões
rodoviárias realizadas em 2013 - todas com diversos investidores interessados -
foi de 7,2%.
Um exemplo concreto bem ilustra o ponto. Em junho de 2015,
com a celebração de novo contrato de concessão, o pedágio da Ponte Rio-Niterói
passou de R$ 5,20 para R$ 3,70 - uma redução de cerca de 30%. Tal diferença
pode ser atribuída, dentre outros fatores, à equivocada petrificação da TIR
então vigente (16,62%), instituída em 1995, quando da última licitação, e até
então jamais alterada.
Por outro lado, uma TIR estática pode também, a depender da
dinâmica econômica, gerar graves prejuízos aos investidores privados. Por
exemplo, as concessões licitadas até 2013, que adotaram taxas de retorno de
cerca de 7%, se não corrigidas em breve, mostrar-se-ão igualmente
descompassadas com a cena econômica hoje delineada, desta vez, em prejuízo dos
concessionários.
Prova disto é que, devido as consideráveis oscilações
econômicas em curso, o Ministério da Fazenda elevou, no mês passado, para 8,5%
e 9,2% as Taxas Internas de Retorno referente às novas concessões de aeroportos
e rodovias federais, respectivamente.
A distorção, portanto, em todos os casos, não está na TIR
estabelecida no momento da licitação, mas na sua incólume manutenção durante
todo o período de execução do contrato de concessão.
O atual modelo tem feições lotéricas, trata-se de um jogo de
azar que ora pode conduzir o concessionário a lucros excessivos e
desarrazoados, ora pode implicar prejuízos incalculáveis e injustos. Na
perspectiva do usuário, igualmente, o modelo atual tanto pode, como ocorreu nos
últimos anos, acarretar superlativos ônus indevidos, como pode levar a tarifas
que, de tão baixas, inviabilizem a boa prestação de serviços.
Uma engenharia tarifária livre de distorções, calcada numa
Taxa Interna de Retorno flutuante - atualizada periodicamente em consonância
com as variações macroeconômicas experimentadas pelo país - certamente é um
aperfeiçoamento urgente a esse modelo, que tantos benefícios já gerou aos
usuários e ao Brasil. Só assim será possível conciliar as necessidades de (i)
atrair investimentos privados, (ii) promover amplo acesso aos serviços públicos
concedidos e (iii) avançar em termos infraestruturais, sem se dilatar, ainda
mais neste cenário de grave crise econômica e arrecadatória, os já astronômicos
gastos públicos.
João Paulo da Silveira Ribeiro é advogado e membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB/RJ.
João Pedro Accioly Teixeiraé acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
- UERJ.